Anos atrás, organizando um press tour para um cliente em plena expansão, enfrentei um impasse curioso: o novo CEO queria proibir os jornalistas de usarem celular durante a visita à fábrica. O motivo? Temia perder o controle da narrativa. Mais recentemente, acompanhei uma liderança que, mesmo diante de uma oportunidade de visibilidade em um grande veículo nacional, recuou por medo de algo “escapar” do roteiro. Em outro caso, uma empresa decidiu não comunicar uma importante mudança na operação, apostando que “as pessoas perceberiam sozinhas”. A justificativa era sempre a mesma: receio de que algo saísse na imprensa de forma “diferente do idealizado”.
O que essas empresas tinham em comum? Todas eram empresas familiares, em processo de transição de liderança — da geração fundadora para uma gestão mais profissionalizada.
Ao longo de mais de três décadas de atuação em comunicação corporativa, tive a oportunidade de acompanhar de perto esse tipo de mudança. E posso afirmar: poucas coisas são tão delicadas quanto dar continuidade a uma reputação consolidada. Porque o sucessor, em especial no ambiente das empresas familiares, não herda apenas os ativos do negócio. Ele herda a forma como o mundo enxerga a organização — e, muitas vezes, essa imagem vem com pitadas de conservadorismo, rigidez e resistência à exposição pública.
Em tempos em que a transparência não é mais uma escolha, o novo líder precisa equilibrar duas pressões simultâneas: respeitar o legado e redesenhar a narrativa. E isso não é simples. Porque mudar a percepção externa exige, antes, vencer barreiras internas — muitas delas invisíveis, mas profundamente enraizadas.
Com frequência, o temor do “descontrole” na comunicação revela algo mais profundo: o receio de ver questionado um modelo que se sustentou por décadas, mas que já não dialoga com as exigências do presente. A reputação, nesses casos, torna-se um campo simbólico onde se disputa muito mais que imagem — o que está em jogo é cultura, identidade e poder.
Eu mesma vivi esse desafio ao assumir a presidência de uma instituição com mais de 90 anos de história. Fui a primeira mulher a ocupar o cargo. E todos os dias sou testada para provar que inovação e tradição podem coexistir. É um exercício diário: desconstruir visões já cristalizadas, abrir espaço para as novas gerações, comunicar com mais clareza e menos medo.
O capital reputacional, quando bem trabalhado, não precisa ser engessado. Ele pode — e deve — ser requalificado. Reputação não é estática: é uma construção contínua. E o novo líder precisa entender que não é apenas o guardião da imagem do passado, mas o arquiteto da percepção que as pessoas terão no futuro.
Em transições como essa, o papel da comunicação é essencial. Não apenas para divulgar, mas para alinhar expectativas, criar pertencimento e sinalizar, com coerência, que o novo tempo chegou — sem apagar o que veio antes, mas deixando claro que o que vem agora é diferente. E precisa ser.
Por Déborah Almada
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